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Guilda Alliessel

Encontrar novos grupos para jogar online nem sempre é tarefa fácil. Embora boa parte dos oferecimentos de mesa esteja em comunidades do Facebook, existem também outros meios de descobrir mesas, como é o caso das guildas. Por definição, guildas eram associações da Idade Média de pessoas com interesses em comum, que davam assistência e proteção aos seus membros. Não muito diferente da Guilda Alliessel, um projeto que está em andamento há quase 3 anos. Seu objetivo é reunir jogadores e mestres em uma mesma plataforma - no caso, o Discord, um aplicativo de voz projetado inicialmente para comunidade de jogos -, onde elas poderão jogar juntas aventuras de curta duração, chamadas de One Shot. O diferencial é que as buscas por mesas e a maior parte das dinâmicas da Guilda acontecem no plano fictício, ou seja, prioriza-se as interações entre personagens. 


Thauane Joviano, 27, e Paulo Kobra, 28, são hoje amigos graças ao RPG. Juntos administram a Alliessel, que conta com uma média de 100 jogadores ativos. Paulo já jogava RPG há bastante tempo, quando criou a guilda com um amigo, motivados pela dificuldade de encontrar boas mesas online. Já Thauane conhecia o RPG por meio de séries no Youtube, como Skyfall RPG, do mestre Pedrok, mas só começou a jogar na Guilda Aliessel, em 2019. 

Como surgiu a ideia de criar a guilda?

Paulo: Em 2019, eu e meu parceiro original na guilda, Fábio Beneli, começamos um projeto como um hobby para juntar as pessoas para jogar. No D&D sempre foi uma coisa difícil você encontrar um grupo pra jogar fixamente. A gente pensou, vamos montar um negócio pra juntar gente de vários lugares pra jogar pela internet? Vamos. E daí começou. (...) E quando resolvemos montar, montamos na 5ª edição, que é bem mais fácil, principalmente para iniciantes que estão entrando agora no sistema.
Thauane: Eu não sabia nem como montar ficha, entrei completamente crua (...) Eu comecei a procurar no Facebook pra jogar e me deparei com uma postagem do antigo parceiro do Kobra. 
Paulo: Na época a gente fazia esse recrutamento pelo Facebook. Agora é boca a boca, porque como temos muitos membros no momento, os próprios membros enviam para amigos e vai espalhando por aí. Tem ainda a parte social, que a Thauane cuida, é o Facebook e o Instagram, mas a melhor forma pra espalhar mesmo é de pessoa em pessoa. Mas naquela época a gente criava um grupo no Facebook, ia chamando, explicava pras pessoas naquele grupo como funcionava e depois chamava pra guilda porque a gente não tinha o sistema de regras ainda definido naquela época.
Thauane: O projeto deles começou em agosto de 2019 e eu entrei no final de setembro. 

 

Como funciona o sistema de campanhas?

Thauane: A Alliessel não tem campanha fixa, você cria um personagem e vai entrando em várias campanhas que os vários mestres postam. 
Paulo: O jeito mais fácil de explicar seria como o que tem saído muito nos últimos anos de anime e filmes, histórias de aventureiros e mundos de RPG. É um grupo de pessoas que trabalham para uma guilda, que seria a instituição. Essa guilda recebe os trabalhos e envia as pessoas pra resolver. Então a gente faz desse jeito que é principalmente pra facilitar pras pessoas. Se você não tem tempo de jogar hoje, então não pega a missão que tem hoje. Você pega quando você pode jogar. Os mestres criam as one shots e liberam na forma de um pedido, um contrato. Os jogadores aceitam esse contrato e vão pro mundo daquele mestre resolver aquele problema e específico. (...) Você como mestre pode mestrar e jogar ao mesmo tempo. (...) Isso supre também muitos problemas que tem normalmente em grupos de RPG que só uma pessoa mestra. 
Thauane: O Fábio costumava dizer que Alliessel significa refúgio e ela é um refúgio para todos que fogem do próprio mundo pra se aventurar em outros lugares.
 
Como foi o início da Guilda? Vocês passaram por alguma dificuldade?

Paulo: Juntar o pessoal nunca foi a parte difícil, a parte difícil foi controlar os problemas que vieram dessa junção. Como no começo não tinha muitas regras definidas e sempre que junta muitos mestres, cada um tende a mestrar de formas diferentes, gerou conflitos. Agora nós temos uma grande abrangência de regras que tende a suprir toda a necessidade de “eu posso ou não fazer tal coisa”, mas naquela época foi difícil.

Thauane: Teve a primeira Guilda lançada em 2019, que se encerrou em novembro do mesmo ano. A gente teve um problema sério com dois jogadores que não gostavam do que a gente tinha, achavam que a gente tachava demais, que tinha regras demais e decidiram sair e montar por conta própria o negócio deles. Só que o negócio deles era uma cópia exata do nosso, todas as regras, tudo. (...) E teve uma reviravolta dos jogadores que falaram que realmente não gostavam do que a gente fazia e saiu uma grande parte dos jogadores. A gente precisou se reinventar, reinventar as regras, reinventar o que a gente escreve e aí nasceu Alliessel em dezembro de 2019. 
Paulo: A Alliessel nasceu de quatro pessoas. Agora só temos eu e a Tata, porque os outros dois acabaram saindo ao longo do tempo, por motivos pessoais. 

Quantas pessoas estão na equipe da moderação? Quais são as funções que elas desempenham?

Thauane: O mais importante de trabalhar com pessoas é que você precisa confiar em quem trabalha, porque você tem muitas informações sensíveis, você acaba vendo muita coisa. Então hoje temos uma equipe em que podemos confiar, passamos por altos e baixos até fechar essa equipe que são 10 pessoas, que são primordiais pro funcionamento de Alliessel. Temos duas pessoas responsáveis pelo cadastro dos jogadores, (...) uma pessoa responsável pela economia dos personagens, para que não tenha diferenciação...
Paulo: Porque você faz as missões e recebe recompensas, você compra e vende itens, tanto que dentro da Guilda nós temos não só o mercado da Guilda, como jogadores criaram mercados próprios e vendem e compram coisas a preços diferentes também.
Thauane: E tem mais duas pessoas responsáveis pelas oficinas, pela construção de itens. (...) Temos também o sistema de casas, inspirados nas casas de Hogwarts em que você pode participar ou não. Então, tem um moderador em cada casa, que ajudam os jogadores. Tem um grupo de moderadores só pra eventos, como evento de páscoa que estamos organizando e uma pessoa para instruir novos mestres. 

E como vocês se organizam dentro da moderação?

Thauane: É como se fosse uma hierarquia. Tem os gods, eu e o Kobra, que são quem criou a parada e quem foi convidada, no caso eu. Os demigods são 3 pessoas que auxiliam a organizar a moderação e tem a moderação, tudo seguindo um tema de fantasia. Cada um tem um papel muito específico.

Como funciona o processo de seleção dos mestres? 

Paulo: No início, no primeiro projeto, a gente deixava qualquer pessoa mestrar, o que se provou ineficiente. Porque nem todo mundo sabe mestrar. Então no momento tem os moderadores que cuidam dos mestres iniciantes. Eles marcam um dia e fazem uma mesa, uma one shot, só pra ter uma ideia do nível do mestre. “Podemos deixar o mestre livre para mestrar de boa? Sim.” ou “não, ainda não. Joga um pouco na guilda pra você ter uma ideia de como funciona o nosso sistema”. Porque ele é diferente de uma mesa comum de D&D, ela não segue o mesmo padrão, é um sistema nosso. Você tem que aderir a algumas coisas pra mestrar aqui e nem todos conseguem fazer isso.

A pandemia trouxe novos jogadores pra Guilda?

Paulo: No começo, a gente teve um crescimento bem grande, tanto que logo naquela época as pessoas começaram a parar de sair de casa, então teve bastante gente. Inclusive todo aquele pessoal que saiu do primeiro projeto voltou. Tivemos um grande aumento de jogadores e mestres, agora está começando a dar uma estabilizada. Hoje no Discord, de membros nós temos em torno 1010 pessoas. Pessoas ativas temos em torno de 100 a 200. 

Thauane, você disse que foi convidada para fazer parte da administração. Como isso aconteceu?

Thauane: Era uma época que eu trabalhava de madrugada e não tinha tempo pra jogar. (...) Aí eu mandei uma mensagem no grupo perguntando quem podia mestrar pra mim de manhã, que era o momento que eu estava acordada. Um dos meninos não foi muito fã do áudio que eu mandei. E assim, RPG é um cenário muito masculino, na época que jogava era eu e mais duas ou três meninas, então era um meio muito complicado. (...) E aí, quando eu fiz isso, ele (o rapaz) ficou muito puto, falou que os mestres só me ajudavam porque eu sou mulher, que eram um bando de "gado". O cara falou tanto que me levou às lágrimas. E nisso o Fábio veio falar comigo, pedir desculpas. O cara foi banido por machismo, porque era algo que eles nunca tinham experimentado. No dia seguinte, o Fábio veio falar comigo, dizendo que tinha conversado com o Kobra e me chamaram pra organização, porque precisavam de uma visão de mulher ali. E aí eu entrei como moderadora.
Paulo: Foi o primeiro problema social que teve num chat nosso e hoje nós temos regras bem rígidas quanto a isso pelo motivo de que quando você tem um grupo e seu nome está na organização do grupo, caso algo aconteça e não tenha uma regra a respeito, isso pode gerar muitos problemas.
Thauane: Temos não só regras pra machismo, mas pra qualquer tipo de situação que a gente possa ter.  
   
E como vocês lidam com esses tipos de problema social na Guilda? Por quais situações já passaram nesse sentido?

Paulo: No momento tem apenas duas pessoas que foram banidas permanentemente da guilda. Algumas pessoas causam muitos problemas e a gente lida com isso dessa forma.
Thauane: Nós temos menores jogando na Guilda, então a gente toma o triplo de cuidado. Porque não é qualquer coisa que se pode falar, não é qualquer assunto que pode ser tocado. A gente tem um chat no Discord que é livre e um chat para maiores de 18 anos. Então, se você declara que é maior de 18 anos, você recebe a tag +18 e te é permitido entrar nesse site, que honestamente, nem falam nada demais lá, mas tem essa opção. O que aconteceu é que um cara maior de idade assediou um menor. E aí não teve nem discussão, simplesmente a gente falou “tá fora”, não tem mais o que fazer. Emitimos uma declaração pro pessoal de que realmente ele estava fora pelo motivo que estava e que a gente não toleraria esse tipo de coisa, menor de idade lá tem que ser respeitado como tal. Então esse foi o caso mais extremo e grave que a gente teve até agora, mas foi tratado com muita rapidez. Temos hoje na Guilda cinco casos de ultimato. Se você faz algo errado, pode ficar 24h sem jogar, três dias, uma semana, até três semanas sem jogar. Se isso acontece demais, a gente chega em um ultimato e se a pessoa não seguir as regras, está banida do projeto. Mas a gente dá a vida pra não banir, conversamos quinhentas vezes antes de tirar a pessoa. 

Como é a receptividade da Guilda hoje para as mulheres e outras minorias? 

Thauane: Hoje grande parte da administração é composta por minorias, então quando eu cheguei nesse patamar de o “vale” invadir a moderação eu saí rindo de uma orelha a outra, porque era tudo que eu queria.
Paulo: Eu posso atestar isso porque realmente é uma coisa difícil de se encontrar mulheres no RPG e as minorias fazem pouca participação nessa parte. E muitas das pessoas que conheci em Alliessel fazem parte de uma dessas minorias.
Thauane: Mulheres no RPG hoje são poucas. Em Alliessel a gente não tem muitas, mas eu sinto que temos mais espaço do que tinha no começo do projeto. Talvez por ter uma mulher que gerencia? Talvez. Mas eu já cheguei a ponto de ouvir que eu preenchia cota de feminista, que eu estou nesse lugar porque eu transava com o Kobra e com o antigo líder, de que eu era protegida por ser mulher… Eu já cheguei a ouvir barbaridades por ser mulher. Às vezes eu falava alguma coisa com o jogador e ele ia perguntar pro Kobra se estava certo. Já cheguei nesse ponto de ter minha autoridade invalidada. E é uma visão que o Kobra não tem. Antes eu ficava validando minha opinião com ele e com o Fábio o tempo inteiro e nem percebia que eu estava invalidando minha autoridade. É tão comum ter que perguntar pro outro se eu estou fazendo certo que eu mesma não percebo o que eu estou fazendo. Posso dizer que hoje grande parte das coisas da Guilda eu faço por minha conta e risco, às vezes pedindo apoio do Kobra porque ele é uma figura respeitada na comunidade e isso ajuda pra caramba. Eu sou vista como grossa, estúpida, escrota. Ele é visto como direto, sensato, equilibrado. Ninguém fala com ele quando ele está sendo grosso. (...) Mas hoje as pessoas têm uma noção de que não vale a pena esbarrar no “você é mulher”.

Como é feita a interação entre os membros?

Paulo: A gente tem uma quantidade exorbitante de chats, na verdade. Eu estou em todos eles como o dono, porque tem que ter um dono pro chat. Então, só da moderação temos dois chats, um com a Thauane, eu e mais algumas pessoas e outro com toda a moderação. Tem um grupo só para avaliadores de mestres, um grupo só para os mestres. Os grupos livres são o chat livre, o chat de roleplay e o quadro de missões, esses são os três grupos que todo mundo pode entrar. Daí cada casa tem mais dois chats particulares, o livre e o roleplay da casa. Eu limpei hoje esses chats e no momento, só das casas, têm três chats com mais de 150 mensagens e um deles com mais de 250. 

Quais as vantagens de se jogar online na Guilda?

Thauane: Eu acho sensacional. Não jogaria mesas presenciais porque sou fã do formato que tem. Me permite conhecer gente do Brasil inteiro e eu quero conhecer gente do Brasil todo, isso é muito legal. E online é melhor porque eu peço comida no meio da mesa, eu me levanto, leio, então me proporciona o espaço. Já aconteceu de eu jogar no trabalho, dentro da minha sala. É uma coisa que me permite mais do que se fosse presencial. Nada contra o presencial, mas aqui eu posso jogar de pijama. É um conforto desigual.

Vocês estão satisfeitos com o projeto hoje?

Paulo: Eu nunca estou satisfeito, sempre quero melhorar uma coisa ou outra. Sempre que sai conteúdo novo a gente analisa se daria certo com o nosso modelo de jogo. Estamos atualizando sempre as regras e as mecânicas da Guilda.
Thauane: A parte mecânica não estamos satisfeitos. Mas a parte humana é o que eu pedi pra deus, que ele não me tire nada e que permaneça assim, essa utopia de tranquilidade. A gente passou por tanto problema que hoje a organização encontrou um jeito de levar as coisas de uma forma tranquila. Contanto que a parte mecânica melhore, a parte humana do projeto é isso aí.

 

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