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RPG e pandemia

Gabriel Lemos, 20 anos, conheceu o RPG no ensino médio, mas só encontrou uma mesa fixa em 2019, quando foi convidado por amigos. Seu grupo ainda joga, mas há mais de um ano não se encontram presencialmente. Essa é a realidade de muitos RPGistas hoje, que tiveram suas mesas afetadas pela pandemia do vírus Covid-19. 


O cenário é inédito para nossa geração e pegou a todos de surpresa. Quando a situação se tornou insustentável, logo nos primeiros meses de 2020, a única solução para diminuir os contágios foi o isolamento social e por alguns meses o mundo parou. Hoje, vivemos um novo normal e adaptamos atividades ao estilo de vida pandêmico - muitas empresas aderiram ao home office, enquanto escolas e universidades dependem do ensino emergencial remoto. Não foi muito diferente com o RPG. Mesas que estavam em andamento presencialmente precisaram migrar para o mundo digital ou fazer uma longa pausa até o cenário melhorar. 


Muitas histórias não sobreviveram, como conta Thiale Gomes de Melo, 27, RPGista há quase 15 anos: “Eu tinha uma mesa antes da pandemia que existe desde 2017. Era uma mesa maravilhosa. E com a pandemia, o mestre se reclusou num lugar sem internet e a mesa parou. Não queriam jogar online, a gente tentou, mas não deu muito certo”. Hoje, Thiale encontrou pessoas com quem joga semanalmente. Isso porque a adaptação do RPG à internet já vem acontecendo muito antes da pandemia e possibilitou que grupos ou jogadores solo fizessem uma transição bem sucedida para o novo meio. 

O contrário aconteceu com Guilherme Furlan, 28 anos. Depois de passar quase 8 anos sem se envolver com o jogo, o crescimento do RPG online durante a pandemia, em especial nas livestreams na Twitch, serviu de atrativo para que ele retomasse a atividade. “Antes da pandemia eu tinha passado um tempo sem jogar, meio que tinha abandonado. A gente vai crescendo e acaba se desligando disso. E por causa da pandemia eu voltei a jogar RPG, porque foi uma forma de me aproximar das pessoas de novo”. Depois de procurar em grupos de RPG no Facebook, o professor de ciências e biologia encontrou uma mesa virtual em que se sente confortável para jogar e criar laços de amizade. 

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Arte por Lucas Rodarte.

RPG e pandemia
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Sobre o RPG online

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Pode parecer estranho. Afinal, o RPG foi desenvolvido para encontros presenciais e o contato humano é um dos principais atrativos do jogo. Mas jogar online hoje é mais fácil do que parece. As redes sociais permitem que comunidades de jogadores de todo o Brasil se organizem em fóruns, aplicativos de voz e vídeo conectam grupos e ferramentas de mesas virtuais simulam a experiência de jogar RPG presencialmente. Além disso, com os streams, aprender a jogar RPG nunca foi tão fácil. 


Essa modalidade de jogo surgiu logo nos primórdios da internet e se desenvolvia por meio de texto, em salas de bate papo como o Chat UOL ou redes sociais. “O meu primeiro contato foi logo que o Orkut surgiu, eu descobri uma comunidade de Harry Potter. Eu entrei achando que era uma comunidade de fãs, mas era para jogar RPG. Eu vi o pessoal fazendo ações, como se estivessem lá em Hogwarts e eu surtei na hora. Meio que por instinto eu comecei a brincar com isso, eu tinha onze, doze anos", conta Guilherme Furlan.

 

Com o passar dos anos, outras plataformas foram surgindo, voltadas

especificamente para o RPG. Suas ferramentas buscavam melhorar

a imersão dos jogadores e a praticidade com relação as mecânicas do jogo.

Nos dias de hoje, as mesas virtuais - ou VTT (virtual tabletops), como também

são conhecidas - possuem rolagem automática de dados com efeito 3D,

uma grande variedade de grids, efeitos sonoros, fichas de personagem e

muitas outras ferramentas. Elas não só simulam o RPG, como facilitam e

agilizam o jogo:  “Quanto mais recursos você tem para fazer parecer com

o jogo presencial, melhor. A própria rolagem de dados 3D dá um clima de

suspense antes de ter o resultado. Isso já diz muita coisa porque quando

a gente tá ali só mexendo com números em uma tela não é tão divertido”,

diz Guilherme Brito, 20 anos, estudante de Sistema de Informação e jogador

de RPG online desde 2015.


Atualmente, três dos sites de mesa virtual ganham destaque entre os jogadores. O primeiro deles é o Roll20, lançado em setembro de 2012. O que antes era um projeto pessoal de três jogadores logo se tornou um sucesso na comunidade. O mestre e streamer Pedro Coimbra, 30, relembra que antes da plataforma, jogar RPG de mesa online dependia da criatividade dos jogadores:  “A primeira vez que eu joguei online foi pelo próprio Skype. A gente rolava os dados e mostrava na câmera a rolagem. Era bem tosco. E quando a gente descobriu o Roll20 foi muito mais prático, facilitou bastante. Hoje em dia tem várias (plataformas), eu já nem uso mais o Roll20, mas foi uma plataforma bem revolucionária”.

 

Fernando Luis, 42, hoje mestre de aluguel, começou a usar o site muito antes de migrar suas mesas para o ambiente online em 2015. Usando um computador e uma televisão em suas sessões, Fernando encontrava no Roll20 uma forma fácil e prática de utilizar mapas e organizar suas campanhas. O site tem muitas funções gratuitas e possui diversos módulos licenciados para D&D e outros sistemas disponíveis para compra. Além disso, ele também conta com serviços de assinatura pagos que ampliam as possibilidades de jogo e melhoram o desempenho do site.

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Uma das primeiras ferramentas virtuais, o Roll20 também surgiu de um financiamento coletivo. Foto: Captura de tela.

O Fantasy Grounds foi lançado em 2014 e é conhecido por ser uma plataforma customizável e intuitiva, que oferece suporte para os mais variados sistemas, como GURPS, Pathfinder e O Chamado de Cthulhu. Seu slogan “Prep less, play more!” (prepare menos, jogue mais) resume a filosofia do aplicativo, pois a plataforma permite o upload de livros e imagens, automatizando a maior parte do processo de montar uma mesa virtual. Ela pode ser encontrada na Steam por R$72,99, assim como os muitos módulos prontos de aventura, que poupam tempo do narrador. O aplicativo possui muitas vantagens sobre o concorrente Roll20, mas o principal é o custo benefício, como relata Eduardo Luiz: “O Roll20 também tem seus módulos prontos, mas nele você precisa comprar em dólar, o que sai por volta de R$175,00. É bem caro. Enquanto no Fantasy Grounds você pode comprar os módulos na Steam, então sai por R$45,00, porque tem o preço nacional próprio. É muito mais em conta.”.

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No site da plataforma é possível encontrar diversos módulos de aventuras, prontos para uso no aplicativo. Foto: Divulgação.

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Outra ferramenta que tem crescido entre os jogadores é o Foundry VTT, que entrou no ar graças a um financiamento coletivo, no começo de 2020. O programa ainda está em sua versão beta, por isso pode apresentar alguns problemas ocasionais. Hoje, custa 50 dólares, mas ao contrário do Roll20, uma vez comprado, o Foundry está disponível para uso sem custos adicionais. Também não é necessário que todos do grupo adquiram o aplicativo, apenas a pessoa que vai hospedar a mesa. Sua popularidade se dá por suas funções mais automatizadas, maior customização e pelos muitos módulos de aventura gratuitos que estão disponíveis na plataforma.

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O Foundry possui ferramentas intuitivas e diversos tipos de conteúdo traduzidos.

Foto: Captura de tela.

Por fim, o Firecast RPG é uma plataforma nacional, que se encontra em sua oitava versão. Antes conhecido por RRPG Firecast, o tabletop foi lançado em 2013 e agora passa por reformulações para melhor atender seus jogadores. Com variedade de planos, o Firecast permite o download gratuito da ferramenta e preços acessíveis para enriquecer a experiência de jogo. Os planos anuais permitem mesas ilimitadas, rolagem de dados 3D com customização de texturas e suporte para luzes dinâmicas, névoa e outros efeitos no grid. 

 

Mas o RPG online não depende apenas do VTT. Uma boa comunicação é essencial para o desenvolvimento do jogo. Apesar de aplicativos de mesa virtual disponibilizarem um espaço para chat e até mesmo canais próprios de vídeo e áudio, boa parte dos jogadores utilizam o Discord para suas sessões. O software foi criado especificamente para comunidades de jogos. Disponível tanto para download em celulares e computadores, quanto no próprio navegador, o Discord facilita o encontro de grupos de RPG, pois é gratuito, com espaço para criação de canais de texto e voz, vídeo e compartilhamento de tela. Além do mais, o aplicativo possui um amplo sistema de bots, que são ferramentas criadas pela própria comunidade para automatização de funções. Assim, é possível rolar dados, adicionar músicas, emojis e muito mais. Algumas comunidades, como a Guilda Alliessel, utilizam o Discord para organizar seus muitos canais de jogo e possuem mais de mil membros no servidor.

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O Foundry possui ferramentas intuitivas e diversos tipos de conteúdo traduzidos.

Foto: Captura de tela.

Mesmo com uma comunidade ativa e empenhada em criar mecanismos para o RPG, a migração para o ambiente online pode ser complexa. As mesas virtuais possuem uma gama de ferramentas para facilitar a vida do jogador, mas se habituar a elas é um desafio para muitos. Eduardo Luis conta que levou quase quatro meses para dominar o Roll20. Seu jogador, Daniel Lins de Matos, 27, também teve problemas ao se adaptar as novas ferramentas: “O Roll20 foi a primeira ferramenta que eu usei, eu tive bastante dificuldade. Inclusive na primeira campanha online, eu joguei ela inteira apenas fazendo o básico, (...) que foi o que eu peguei”. A narradora e estudante de audiovisual, Lívia da Silva, 28, também teve sua mesa afetada pela pandemia e relembra que sua primeira sessão online foi “caótica”, mas possibilitou que o grupo pudesse manter o passatempo vivo.

Confira a mesa do narrador Pedro Coimbra, que traz novas aventuras para os personagens do cenário de Skyfall RPG:

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Sobre o RPG online
Presencial ou virtual?

Presencial ou virtual?

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Alguns jogadores defendem que o RPG presencial possui uma magia insuperável. Poder ver as reações, a rolagem dos dados e a emoção de contar uma história em conjunto é o que motiva muitos RPGistas. Por outro lado, outros acreditam que essa modalidade é superestimada, uma vez que a tecnologia hoje permite que as sessões online tenham um desempenho igual ou até mesmo melhor do que presencialmente. Mas a verdade é que ambos os modos de jogo possuem vantagens e desvantagens. 

Os motivos para se jogar online vão além da pandemia ou das ferramentas disponíveis. Marcos Vinícius, 32, explica que migrou para as mesas virtuais devido à necessidade de jogar: “Entrando na fase adulta, as pessoas vão seguindo seus caminhos, amigos de infância começam a casar, ter filhos e trabalhar integralmente. E acaba que a gente não consegue mais juntar para jogar RPG”. Depois de encontrar comunidades de jogadores no Facebook, o professor de história participa de quatro mesas semanalmente, como mestre e jogador. Guilherme Brito, jogador na mesa de Marcos Vinícius, completa: “Essa forma da gente se reunir online quebrou essa barreira porque em qualquer lugar que a gente estiver dá pra jogar. Você só precisa de um microfone, não precisa nem de uma câmera, e o resto a gente conserta”.

Rafael Petro, 37 anos, se separou de seu grupo de RPG ao mudar-se

para a Costa Rica. Depois de passar quase seis anos sem jogar,

encontrou um grupo local, mas as diferenças culturais e

linguísticas fizeram com que ele se frustrasse com o estilo de

jogo costa-riquenho. Por isso, optou por jogar online com

seus conterrâneos. Pai de duas filhas e sujeito ao fuso

horário diferente do Brasil, Rafael acredita que a possibilidade

de encontrar seu grupo quando e onde quiser vale o sacrifício

de alguns dos deleites das sessões presenciais. 

Mas nem tudo são flores: a comunicação online fica seriamente prejudicada com a falta da linguagem corporal para jogadores sem câmera. É comum haver interrupções durante as ações e cabe ao narrador ficar atento para que todos tenham oportunidade de participar. Sem contar que tudo isso depende de uma boa conexão de internet. Pedro Coimbra é criador de conteúdo para RPG, trabalhando principalmente com livestreams na Twitch e acredita que os problemas de comunicação são os que mais atrapalham mesas virtuais:

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Além do mais, encontrar uma mesa agradável pode ser um desafio - na internet não se sabe quem vai jogar ao seu lado. É comum entrar em grupos com um estilo de jogo diferente ou ideologias muito distintas. Para contornar esses e outros contratempos, é imprescindível a realização de um encontro antes do jogo, conhecido também como sessão zero. É nela que os jogadores podem se conhecer e conversar sobre as pretensões da narrativa. Isso permite que o mestre saiba de antemão os assuntos que podem ser gatilhos para os envolvidos, quais as experiências anteriores no RPG e o que cada um espera vivenciar na mesa. Esse encontro também pode ser muito útil para que os membros do grupo se sintam mais à vontade uns com os outros, especialmente ao jogar com desconhecidos.

Jogar com estranhos é um ponto ambíguo entre os jogadores. Por se tratar um jogo de interpretação é normal experienciar um pouco de timidez na mesa. Ao jogar com amigos e conhecidos em uma mesa presencial, o roleplay acaba sendo mais fácil para alguns, mas para outros, o conforto de estar atrás de uma tela pode romper a inibição. Gabriel Lemos relembra que nas únicas sessões presenciais que teve com seu grupo, se sentiu pouco confortável: “O pessoal era meio tímido, a gente não fazia muito roleplay, basicamente a gente fazia o que o mestre mandava. (...) E depois, quando a gente foi pro online, a galera começou a se soltar mais, entender melhor o jogo e aí todo mundo começou a desenvolver e eu também. (...) Eu sou mais tímido, então mesmo em um grupo de amigos, é melhor na interação online. Estar ali presencialmente, todo mundo se olhando fica um pouco desconfortável”.

 

Independente do que deixa os participantes mais confortáveis, jogar com estranhos sempre causa alguma insegurança: “Você não sabe se todo mundo vai entender as piadas, se vão gostar ou se vai incomodar alguém”, conta Gustavo Zwarg, 33, que hoje joga RPG com outros seis jogadores na mesa de Marcos Vinícius. Nenhum deles se conhecia antes e apesar do nervosismo inicial, a mesa - voltada para o público LGBT - é um lugar onde eles se sentem cada vez mais à vontade para ser e interpretar quem quiserem.

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Há também as interações antes e depois das sessões. As mesas presenciais, muitas vezes, acabam se tornando um encontro entre amigos para comer, beber e conversar sobre outros assuntos além do jogo. As distrações e conversas paralelas fazem parte da experiência, mas alguns defendem que isso prejudica o andamento das sessões. No online, isso pode ser diferente, dependendo muito da relação que os jogadores criam entre si. Normalmente, o contato dos grupos fora das sessões acontece por grupos de WhatsApp ou Telegram e abre espaço para que os jogadores possam se conhecer melhor. 

 

Algumas mesas são mais sérias e o interesse principal dos participantes é o jogo, como é o caso do Rafael. Por ser o único momento de lazer que possui, ele prefere sessões objetivas e não vê necessidade em criar um entrosamento prévio com outros jogadores. Nas suas mesas, as conversas pré e pós jogo são breves e normalmente voltadas para assuntos da narrativa. Mas há quem prefira o contrário, pois o RPG online é um meio eficiente para criar laços de amizade e esse contato é um grande estímulo para manter o hobby. Marcos Vinícius acredita que o vínculo de coleguismo que a mesa pode criar deixa o jogo melhor e mais fluido: “Você tem a liberdade de interagir com a cena do outro, de agregar, sabendo do seu limite de invasão de espaço”. Ele conta como sua primeira experiência em mesas virtuais lhe trouxe amigos com quem mantém contato até hoje:

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No que diz respeito à imersão, alguns acreditam que ela acontece melhor na mesa presencial, por ser mais fácil para o narrador engajar seus jogadores na trama. “No online é difícil, porque por mais que você tenha ferramentas, você está com o computador na sua frente, então é só dar um alt+tab que tem um site que você gosta ou está conversando com alguém”, afirma Marcos Vinícius. Outros jogadores defendem o contrário - a falta de ferramentas na mesa presencial exige mais da imaginação e criatividade dos participantes. Enquanto para alguns isso é positivo e faz parte da atividade, a possibilidade de adicionar músicas e imagens a qualquer momento do jogo colaboram para a imersão da experiência sob a perspectiva de outros jogadores. A automatização de funções como a rolagem de dados faz com que o jogo se desenvolva sem grandes interrupções e todas as informações necessárias podem ser facilmente acessadas em plataformas de mesas virtuais. 

Kael Dos Santos Conceição, 33, é um narrador experiente, tanto em mesas presenciais quanto online. Atualmente trabalha como mestre de aluguel e mesmo ciente das diferenças entre as modalidades, prefere manter suas mesas virtuais:

RPG no stream
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As transmissões ao vivo têm crescido em popularidade. Em sites de stream como a Twitch, a comunidade dos jogos encontra um lugar para acompanhar seus produtores de conteúdo preferidos. Recentemente, o RPG ganhou mais espaço na plataforma, especialmente depois de exibições como o Critical Role, em que um grupo de dubladores profissionais realizou uma campanha de D&D com mais de 100 episódios. Atualmente em sua segunda campanha, as transmissões feitas pela Twitch chegam a quase 700 mil visualizações. Sem dúvidas, a produção de conteúdos do gênero para esse meio tem levado o RPG a mais pessoas do que nunca. 

A plataforma possui o recurso de chat, que permite a interação com streamers em tempo real. Por vezes, isso acaba influenciando o desenvolvimento do jogo. “A gente interage com quem tá de fora e isso é legal. A galera comenta, dá opiniões e isso é como se fosse um feedback pra gente, sendo que é um jogo fechado”, explica Guilherme Brito. Além do mais, algumas transmissões ficam gravadas no canal, o que possibilita um alcance do público que não pode estar presente no momento do livestream.

Jogar RPG em stream, porém, traz algumas nuances distintas do jogo casual com amigos. A presença do espectador deixa alguns jogadores nervosos ou ávidos por performar diante da câmera, como relata Renan Fidelis: “A câmera influencia muito porque você se vê, então você se sente na vontade de gesticular. (...) Tem também a pressão de não querer cortar ninguém, porque ninguém é o protagonista e até os players calados tem que falar mais pra fazer valer o seu lugar naquele momento”. Essas distinções exigem uma atenção maior do mestre. Kael conta que nos seus streams essa é sua grande preocupação: o espaço que dá para cada jogador. Além disso, a criação de conteúdo para a Twitch exige uma preparação diferente comparada com mesas convencionais, pois requer equipamentos de melhor qualidade, além de configurações de layout e do próprio software. O streamer Pedro Coimbra produz grande parte do seu conteúdo voltado para Twicth e acredita que as duas modalidades de jogo são coisas muito diferentes:

RPG no Stream

Já Eduardo possui uma opinião diferente. O narrador transmite duas de suas mesas pelo Youtube, no canal Por um punhado de dados e defende que a filosofia de seu grupo é:  “jogar o jogo como jogaríamos se ninguém assistisse. E isso virou a nossa marca, a gente vende a ideia de o jogo como o jogo”. Mas nem todos os participantes se sentem da mesma forma. Seu jogador Bruno da Silva Nascimento, 32, admite: “Quando não tinha stream, o pessoal se sentia mais livre, porque na stream você acaba evitando falar alguma besteira, também por causa do entretenimento para os outros. Então você evita divagar muito em algumas coisas e ficar fazendo piada porque as pessoas querem saber mais da história”.

A mesa de Marcos Vinicius começou recentemente a streamar suas sessões, que acontecem todas às quintas na Twicth. Seu jogador, Guilherme Furlan, conta que ficou preocupado no início de sua primeira transmissão e com medo de dizer algo que o público não gostasse: “No stream dá um nervosismo. Rola uma pressão e da minha parte afetou um pouco o jogo porque eu sabia que tinha gente assistindo, eu posso falar alguma coisa e ser cancelado na internet”. Apesar do narrador Marcos não se sentir intimidado pela presença do público, sua maior preocupação ao conduzir a história é voltada para o conteúdo da mesa: 

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Em concordância com Marcos Vinicius, Kamyla, narradora do sistema de terror Vampiro: A máscara, acredita que é preciso tomar cuidado quando se está transmitindo esse tipo de conteúdo: “Mesmo eu não tendo um jargão sujo, alguns personagens e NPCs são assim e o mundo do cenário é obscuro, então acontecem coisas um pouco erradas. Eu me controlo, embora às vezes escapem algumas coisas, o que é normal. A transmissão é depois da meia noite, tem classificação pra maior de 18 anos, (...) mas quem não tá acostumado, que vem de D&D que é um jogo mais leve, ir pra um mundo de pessoas sendo dilaceradas é um pouco esquisito”.

As opiniões são muitas e divergem em diversos pontos, mas é um consenso que o RPG no stream ganha contornos diferentes, mesmo que não seja a intenção. Cada um reage de uma forma a exposição que as transmissões ao vivo podem gerar. A narradora Lívia acredita que é uma boa experiência de amadurecimento e improvisação, em especial para mestres. Para aqueles interessados em fazer do RPG uma profissão, o stream é uma boa opção para divulgar seu trabalho e criar uma relação com o público. 

Pedro Coimbra - conhecido na comunidade como Mestre Pedrok - é formado em teatro, coordenador pedagógico e produtor de conteúdo para RPG. Com seu sócio Bruno Roxo, criou o canal Formação Fireball e o cenário Skyfall RPG. Depois de um financiamento coletivo, lançaram uma websérie do cenário, que fez um grande sucesso no Youtube e já está em sua segunda temporada. Seu primeiro episódio, lançado em maio de 2019, tem hoje cerca de 490 mil visualizações no Youtube. Com 37 mil seguidores na Twitch e vídeos com quase 10 mil visualizações, Pedro é um membro conhecido e respeitado na comunidade. Em entrevista, o RPGista conta como foi o desenvolvimento do cenário de Skyfall RPG, que será publicado em breve pela editora Jambô, e os desafios de se criar conteúdo para o RPG, em especial no stream.

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